quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A ESCOLHA: Cristo e a Cultura

Quando olhamos para o cristianismo, tendemos a pensar que ele está sendo assaltado por ameaças novas. No entanto, as "novidades" de hoje não são assim tão novas. Nós, que nos autodenominamos modernos, não somos tão criativos quanto queremos parecer. Afinal, não mesmo nada novo debaixo do sol (Ec 1.9).

A pergunta inevitável, diante das tendências de hoje e de ontem, é: de que modo essas tendências influenciaram a igreja ou foram totalmente recusadas por ela? Ao respondê-la, não podemos cair no anacronismo, julgando o passado à luz da moral de hoje. O apóstolo Paulo, por exemplo, não pode ser classificado como escravocrata porque não propôs abertamente o fim da escravidão.

Essas tendências têm a ver com o modelo de relação que se pretende entre o cristianismo e a sociedade. Há várias tipologias para se entender esta relação. A mais influente é a do teólogo Richard Niebuhr (1894-1962), desenvolvida em "Cristo e Cultura" (1951), livro infelizmente esgotado e que a editora Paz e Terra insiste em não republicar. Segundo Niebuhr, a igreja, ao longo dos séculos, por vezes não se ajusta ao mundo em que vive, por ver nele apenas valores incompatíveis com sua fé. A igreja é colocada como superior à cultura, entendida como um conjunto de valores, crenças e práticas de uma sociedade que jaz completamente sob o domínio do mal. Cabe ao cristianismo transformá-la (Cristo como transformador da cultura), como ensinava João Calvino (1509-1564), ou combatê-la (Cristo contra a cultura), como queria Tertuliano (155-222).

Pode ser também que os membros das igrejas façam escolhas diferentes e não se ajustem à igreja de que participam, por verem nela valores incompatíveis com as demandas do mundo, que espera uma explicação racional das coisas, uma ética de sobrevivência e uma exacerbação do hedonismo, por exemplo. Essas pessoas tendem a ver na sociedade a realização das propostas do cristianismo (Cristo da cultura), como acreditava a teologia liberal do século 19, na qual se inscreve Albrecht Ritschl (1822-1889).

No quarto tipo estão os que acham que Cristo se sobrepõe à cultura (Cristo acima da cultura). Tomás de Aquino (1225-1274) pressupunha que não existe nem antagonismo, nem assimilação entre eles. O problema é de natureza mais individual que social, mais vertical do que horizontal. Para os que não inter-relacionam mundo e igreja, sua fé não questiona o mundo e sua vida não questiona a igreja. Eles não vislumbram contradição entre os valores bíblicos e os seculares, já que se aplicam a áreas diferentes e integram dois campos completamente incomunicáveis (Cristo e cultura em paradoxo). Por sua teologia dos dois reinos (espiritual e temporal), Martinho Lutero (1483-1546) pode ser agrupado nesta tendência.

A tipologia de Niebuhr é ainda válida, embora todo esquema acaba "forçando a barra" para fazer com que as peças se encaixem no modelo (...). Porque ainda não foi superada, vale a pena considerar a tipologia de Niebuhr acerca da relação entre a fé cristã e a cultura secular.

Quem coloca Cristo contra a cultura ou como transformador da cultura parte do pressuposto correto que o pecado original (ou queda do homem) corrompe todas as suas manifestações. O equívoco está em esquecer que a queda foi algo tão radical que afetou a própria estrutura da cultura e não apenas seus produtores. Falar numa transformação da cultura a partir da transformação dos indivíduos é cair num certo tipo de voluntarismo, segundo o qual a vontade humana pode todas as coisas. Este discurso despreza a realidade da cultura-sistema, como se ela pudesse se converter (redimir) a partir da conversão individual, suficiente para a salvação individual, mas incompetente para a redenção da cultura, especialmente quando se recusa a própria cultura e se privatiza a experiência com o Deus bíblico.

Desejar uma fuga do mundo, com a formação de uma comunidade à parte do mundo (como se isso fosse posivel...), é propor uma impossibilidade, já que estamos no mundo, e uma desobediência, já que somos sal para o mundo. Como estavam errados os discípulos que tentaram seduzir Jesus para que ficassem todos no monte, estão errados todos quantos pregam um afastamento do mundo. O desejo de Jesus é que permaneçamos no mundo, mas livres do mal que nele impera.

A idéia de um mundo novo construído a partir da competência humana, tão cara ao século 19, não se realizou. O último tijolo foi vendido como relíquia a partir de 1989. A idéia de que o homem é livre para dispensar a atuação de Deus na vida individual e social não fez o homem mais feliz. Ele carece da glória de Deus, como o apóstolo Paulo nos adverte. O século 20 foi pródigo em avanços tecno-científicos e em guerras e morticínios.

Deve permanecer a distinção entre o profano e o sagrado. Os ritmos ou instrumentos musicais, por exemplo, não são em si profanos ou sagrados, embora haja finalidades específicas neles. Nem tudo que é profano é feio, do ponto de vista do prazer da fruição, conquanto por vezes inaceitável do ponto de vista teológico. Há beleza no profano e o cristão pode admirá-la. Em termos artísticos, há mais beleza no profano do que no sagrado, pelo desleixo com que a obra sacra é produzida. A obra profana não pode ser julgada apenas esteticamente. Ela precisa também ser confrontada com os valores que são de cima.

É ingênuo pensar, como Tomás de Aquino, que não deve haver nem antagonismo nem assimilação entre o evangelho e o mundo. Há antagonismo, porque a cultura contém expressões fora dos padrões bíblicos. Há profundo antagonismo, por exemplo, entre o modo como o mundo encara o casamento e o estilo proposto pleo Novo Testamento. Pensar em dois andares, com Cristo num nível acima do anterior inferior (as realizações humanas), é evitar o conflito que tem que haver.

É sedutor pensar nas culturas cristãs e humanas como estando em paradoxo, como os dois trilhos de uma linha de trem. Se é verdade que o cristão é cidadão de duas pátrias, também o é que ela se tocam, pois o cidadão é o mesmo. É cômodo até imaginar que há o reino espiritual e há o reino temporal. Esta divisão didática nem sempre acontece. Os campos estão interagindo. As esferas se encontram. Viver é fazer escolhas. Os cristãos devemos fazer as escolhas que a Bíblia orienta.


Israel Belo de Azevedo
Diretor geral do Seminário do Sul e Faculdade Batista do Rio de Janeiro
In: site do STBSB

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

PORQUE ORAR?


"Tendo despedido a multidão, [Jesus] subiu sozinho a um monte para orar"_ Mateus 14.23

Leonardo da Vinci passou dez anos desenhando orelhas, cotovelos, mãos e outras partes do corpo, sob muitos ângulos diferentes. Então, um dia, ele deixou de lado os exercícios e pintou o que viu. Da mesma forma, os atletas e músicos nunca se tornam famosos sem praticar constantemente.
Por muitos anos, eu resisti a uma rotina regular de oração, achando que a comunicação com Deus deveria ser espontânea e livre. Contudo, descobri que eu necessitava da disciplina da regularidade para possibilitar a ocorrência daqueles tempos excepcionais de comunicação aberta com Deus. Por fim, estou aprendendo que a espontaneidade muitas vezes flui da disciplina.
Uma escritora afirma que vai à igreja com a mesma disciplina com que vai até sua mesa todas as manhãs para escrever, a fim de que, quando surgir uma idéia, ela esteja lá para recebe-la. Eu faço minhas orações da mesma maneira. Quando começo a orar, trago a esperança de conhecer Deus melhor, de talvez poder ouvi-lo de formas que somente são acessíveis por meio da solidão.
A palavra "meditar" deriva de uma outra palavra em latim que significa ensaiar, treinar. Muitas vezes, as minhas orações parecem um tipo de ensaio. Eu passo pelas notas básicas (o Pai Nosso), pratico algumas canções bem conhecidas e também falo com Deus. Mas, sobretudo, eu compareço.
Na oração, me aproximo do Criador de tudo o que existe – de Alguém que me faz sentir imensuravelmente pequeno. Como posso fazer outra coisa, a não ser curvar-me em silêncio diante de tal presença? Como posso crer que qualquer coisa que falo tem importância para Deus?
Às vezes a Bíblia enfatiza a distância entre os seres humanos e Deus e, outras vezes, a sua proximidade. Todavia, sem dúvida foi Jesus que nos ensinou a contar com a sua proximidade. Nas suas próprias orações, Ele usou a palavra "Abba" (Pai), uma referência informal que os judeus não haviam usado anteriormente nas suas orações. Nascia uma nova maneira de orar.
Jesus sabia, melhor que ninguém, sobre a vasta diferença entre Deus e os seres humanos. Mesmo assim, Ele não questionou a preocupação pessoal de Deus, que cuida dos pardais e conta os cabelos das nossas cabeças. Ele valorizou suficientemente a oração, a ponto de passar muitas horas nessa tarefa.
Se eu tivesse que responder a pergunta: “Porque orar?” em uma única sentença, eu responderia: “Porque Jesus orou.”


Extraído do Boletim Dominical da PIB em Mangaratiba (RJ)