sábado, 19 de setembro de 2009

POR QUE VOCÊ NÃO QUER MAIS IR À IGREJA?

Por que você não quer mais ir à igreja?

Wayne Jacobsen
e Dave Coleman

Aos bem-aventurados – aqueles que hoje e
ao longo de toda a história são insultados,
excluídos e perseguidos simplesmente por seguirem
o Cordeiro para além das normas aceitas
pela tradição e a cultura.
(MATEUS 5:11)

1
Estranho, muito estranho
Naquele momento ele era a última pessoa que eu gostaria de ver.
Meu dia já tinha sido suficientemente ruim e agora com certeza ia
ficar pior.
Mas lá estava ele. Um pouco antes entrara no refeitório, indo direto à
geladeira para pegar um suco de frutas. Pensei em me esconder debaixo
da mesa, mas logo me dei conta de que estava velho demais para isso.
Talvez ele não me visse naquele canto nos fundos. Olhei para baixo e
escondi o rosto com as mãos.
Pelas frestas dos dedos pude ver que ele se virou, recostou-se no balcão
e ficou bebendo seu suco enquanto examinava o salão. Aí, ao perceber
que não estava só, olhou para mim e, demonstrando surpresa,
partiu em minha direção. Por que aqui? Por que logo esta noite?
Tinha sido de longe o pior dia de uma batalha longa e atormentada.
Desde as três da tarde, quando a asma fizera a primeira tentativa de
sufocar Andrea, nossa filha de 12 anos, estávamos em vigília, lutando
por sua vida. Corremos logo com ela para o hospital, acompanhando,
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angustiados, seu esforço para respirar, e ficamos assistindo à luta dos
médicos e enfermeiras contra a doença.
Admito que não sei lidar bem com isso, apesar de toda a prática que
tenho acumulado. Minha mulher e eu vimos testemunhando o sofrimento
de nossa filha desde seu nascimento, sem saber quando uma
crise súbita, com risco de morte, poderá nos mandar às pressas para o
hospital. Vê-la sofrer me deixa com muita raiva. Por mais que nós e
tantas outras pessoas rezemos por ela, a asma só piora.
Finalmente a medicação fez efeito e ela começou a respirar melhor.
Minha mulher foi para casa tentar dormir um pouco e tranqüilizar
seus pais, que tinham ficado com nossa outra filha. Eu passei a noite ao
lado de Andrea. Quando ela afinal adormeceu, vim até o refeitório em
busca de algo para beber e de um lugar tranqüilo para ler. Estava me
sentindo elétrico demais para dormir.
Aliviado por encontrar o lugar deserto, pedi uma xícara de café e me
sentei nas sombras de um canto mais afastado. Estava tão revoltado que
mal conseguia pensar direito. O que foi que eu fiz de tão errado para
minha filha precisar sofrer tanto? Por que Deus ignora meus pedidos
desesperados para que ela fique curada? Alguns pais se queixam de ter
que bancar o motorista para os filhos. Mas eu sequer sei se Andrea vai
sobreviver ao próximo ataque de asma e me preocupa pensar que os
esteróides com que ela vem sendo tratada acabem retardando seu
crescimento.
E agora, bem no meio dessa raiva em que eu me deixava afundar, ele
vinha se intrometer no meu santuário privativo. Enquanto caminhava
em direção à minha mesa, eu sinceramente cheguei a pensar em lhe dar
um murro na boca caso ele ousasse abri-la. Mas no fundo eu sabia que
não era capaz de fazer isso. Minha violência é só interna, não se mostra
do lado de fora, onde possa ser vista.
Jamais conheci alguém mais decepcionante do que o João. Fiquei excitadíssimo
na primeira vez em que nos encontramos, porque achei que
nunca tinha encontrado alguém mais sábio. Mas ele só me causou aborrecimentos.
Desde que surgiu na minha vida, perdi o emprego com que
sonhara durante tantos anos, fui afastado da igreja que tinha ajudado a
Estranho, muito estranho • 11
fundar havia 15 anos e até meu casamento entrou numa turbulência
que nunca acontecera antes.
Para que se entenda quanto me sinto frustrado, será preciso retroceder
até o dia em que vi João pela primeira vez. Por mais incrível que
tenha sido o começo, não se compara a tudo o que veio depois.

Minha mulher e eu comemoramos nosso décimo sétimo aniversário
de casamento com uma viagem de três dias à praia de Prismo, no litoral
da Califórnia. Ao voltarmos para casa no sábado, paramos em San
Luis Obispo para almoçar e fazer umas compras. O centro comercial
todo restaurado é o principal atrativo da região, e naquele dia ensolarado
de abril as ruas estavam apinhadas de gente.
Depois do almoço, cada qual foi para um lado. Eu fui dar uma olhada
nas livrarias enquanto minha mulher percorria as lojas de roupas e presentes.
Como terminei meu passeio mais cedo, sentei-me na mureta de
uma loja para saborear um sorvete de chocolate.
Não pude deixar de observar uma discussão acalorada que ocorria
um pouco mais acima na rua. Quatro estudantes universitários e dois
homens de meia-idade distribuíam panfletos azuis brilhantes e gesti -
culavam ferozmente. Eu tinha visto aqueles panfletos antes, enfiados
nas palhetas dos limpadores de pára-brisas dos carros e espalhados pelo
meio-fio. Eram convites para uma peça sobre o fogo do inferno que estava
sendo apresentada numa igreja local.
– Quem vai querer ir a uma produção de segunda categoria como essa?
– Nunca mais ponho os pés numa igreja!
– A única coisa que aprendi na igreja foi a me sentir culpado!
– Freqüentei durante muito tempo a igreja, saí cheio de cicatrizes e
nunca mais volto lá!
Era uma verdadeira competição para ver quem ia acrescentar o próprio
veneno.
– De onde é que aquela gente arrogante tira a idéia de que pode me
julgar?
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– Eu queria saber o que Jesus acharia se entrasse numa dessas igrejas
hoje!
– Acho que não entraria.
– E, se entrasse, provavelmente dormiria entediado.
Gargalhadas soaram mais alto.
– Ou talvez morresse de rir.
– Ou de chorar – sugeriu outra voz, fazendo todo mundo parar e
refletir por um momento.
– Será que ele usaria terno?
– Só se fosse para esconder o chicote com que haveria de fazer uma
bela faxina.
O volume crescente da discussão chamava a atenção das pessoas, que
retardavam o passo para ouvir – umas, perplexas com os ataques a algo
sagrado como a religião, outras tentando dar a própria opinião.
A discussão atingiu o auge quando um dos recém-chegados pôs-se
a defender a Igreja. As acusações e queixas se intensificaram. Recla -
ma ções sobre sedes e construções suntuosas, sermões hipócritas, ma -
çantes, sempre pedindo dinheiro, e o tédio de tantas reuniões. Os que
procuravam defender a Igreja viam-se forçados a admitir alguns desses
pontos fracos, mas tentavam destacar muitas realizações positivas
das igrejas.
Foi então que eu o vi. Devia estar na faixa entre 30 e muitos e 50 e
poucos anos, difícil dizer. Era baixo, de cabelos pretos ondulados e barba
desgrenhada salpicados de fios acinzentados. Vestia uma blusa verde de
mangas compridas, calças jeans e tênis, e sua apa rência firme e decidida
fez com que eu me perguntasse se não teria sido um daqueles líderes
contestadores dos anos 1960.
Na verdade, o que mais atraiu meu olhar foi sua fisionomia grave e o
jeito determinado com que se encaminhou diretamente para o centro
do debate. Ele pareceu se fundir à multidão, para logo emergir bem no
meio dela, encarando os participantes mais ferozes. Quando seus olhos
se voltaram em minha direção, fui capturado pela intensidade deles.
Eram profundos – e vivos! Fiquei como que hipnotizado. O homem
parecia saber o que ninguém mais sabia.
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A essa altura a discussão se tornara hostil. Os que atacavam a Igreja
voltavam sua raiva contra Jesus, chamando-o de impostor. Como já era
de imaginar, isso deixou os defensores ainda mais furiosos.
– Espere até ter que encará-lo quando estiver ardendo no fogo do
inferno – alguém vociferou.
Quando eu pensei que a confusão iria descambar para o corpo-acorpo,
o estranho lançou uma pergunta à multidão.
– Vocês realmente não fazem a menor idéia de como era Jesus. Fazem?
As palavras fluíram de seus lábios com a suavidade da brisa que
balançava as árvores acima de nossas cabeças, em franco contraste com
a discussão acalorada que o rodeava. Mas, apesar da doçura com que
essas palavras foram pronunciadas, seu impacto não se perdeu na multidão.
O clamor ruidoso rapidamente se abrandou, enquanto rostos
tensos davam lugar a expressões intrigadas. Quem disse isso? era a pergunta
muda que se podia perceber nas fisionomias surpresas.
Eu ri comigo mesmo, porque ninguém estava enxergando o homem
que acabara de falar. Ele era tão baixo que facilmente poderia passar
despercebido. E, no entanto, intrigado com seu comportamento, eu tinha
passado os últimos minutos observando-o.
Enquanto as pessoas olhavam em volta, ele repetiu a pergunta, quebrando
o perplexo silêncio.
– Vocês fazem idéia de como Jesus era?
Nesse instante todos os olhares se curvaram na direção da voz e se
surpreenderam ao ver o homem que falara.
– O que é que você sabe sobre isso, coroa? – um homem finalmente
perguntou, a zombaria respingando de cada palavra.
O olhar de censura da multidão deixou o homem desconcertado. Ele
riu sem graça e desviou os olhos, até que a atenção de todos retornou
ao estranho. Mas este não parecia ter nenhuma pressa para falar. O
silêncio ficou suspenso no ar, muito além do ponto de incômodo. Alguns
olhares e gestos nervosos manifestaram-se na multidão, mas ninguém
disse nada, e todos perma neceram onde estavam. Durante esse tempo o
estranho analisou a multi dão, parando para focalizar cada pessoa por
um breve momento. Quando capturou meu olhar, tudo dentro de mim
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pareceu se fundir. Desviei os olhos instantaneamente. Após alguns
segundos, olhei de volta, na esperança de que ele não estivesse mais
olhando na minha direção.
Depois do que pareceu um tempo insuportavelmente longo, ele falou
novamente. As primeiras palavras foram sussurradas diretamente para
o homem que havia ameaçado os demais com o inferno.
– Por que você disse isso?
Seu tom de voz era suave e triste, e as palavras soavam como um convite.
Não havia nelas o menor traço de ódio. Meio embaraçado, o homem
revirou os olhos, como se não estivesse entendendo a pergunta.
O estranho olhou em torno por algum tempo, depois começou a
falar, as palavras fluindo suavemente:
– Jesus não tinha nada de muito especial. Poderia andar por esta rua
hoje e nenhum de vocês sequer o notaria. Na realidade, talvez o evitassem,
pois certamente ele destoaria de todos. Mas foi o homem mais
gentil que já se conheceu. Era capaz de silenciar os detratores sem precisar
erguer a voz. Nunca intimidou ninguém, nunca chamou atenção
para ele mesmo nem fingiu gostar do que lhe fazia mal à alma. Era
autêntico até o âmago de seu ser. – Fez uma minúscula pausa. – E no
âmago daquele ser existia um imenso amor. – Nova pausa. – E como ele
amou! – Seus olhos se distanciaram da multidão, parecendo perscrutar
as profundezas do tempo e do espaço. – A humanidade só descobriu
o que era verdadeiramente o amor por intermédio dele. Mesmo os que
o odiavam. Mas ele não discriminava ninguém, pois esperava que, de
algum modo, pudesse fazer seus inimigos descobrirem que o amor é a
essência e a realização máxima do ser humano.
A multidão parecia paralisada ouvindo-o falar.
– Ninguém foi tão honesto quanto ele. Mesmo quando suas ações ou
palavras expunham os aspectos mais sombrios das pessoas, estas não se
sentiam envergonhadas. Ele lhes dava total segurança, pois suas palavras
não indicavam o menor sinal de julgamento, eram simplesmente
um chamado para a superação e o crescimento. Qualquer um podia
confiar-lhe seus mais íntimos segredos. Se algum de vocês tivesse que
escolher uma pessoa para ampará-lo em seu pior momento, gostaria
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que fosse ele. Jesus não desperdiçava o tempo zombando dos outros,
nem de suas preferências religiosas. – Olhou fixamente para os que, um
momento antes, se atacavam. – Se tinha algo para dizer, ele dizia e
seguia seu caminho, deixando em você a certeza de ter sido intensamente
amado.
O homem se deteve, os olhos e a boca cerrados como se tentasse conter
as lágrimas. Depois prosseguiu:
– Não se trata de sentimentalismo barato. Ele amava, realmente amava.
Para ele não importava que fosse um fariseu ou uma prostituta, um discípulo
ou um mendigo cego, um judeu ou um não-judeu. O amor dele
estava disponível para qualquer um. A maioria o abraçava quando o
via. Os poucos que o seguiam experimentavam um frescor e uma
energia que nunca iriam esquecer. De alguma forma ele parecia saber
tudo a respeito deles e os amava incondicionalmente.
O homem fez uma pausa e observou a multidão. Atraídas por suas
palavras, umas 30 pessoas haviam parado para escutar, com o olhar fixo
e as bocas abertas de espanto. Seu depoimento era tão convincente que
ninguém poderia duvidar de sua força e autenticidade. As palavras brotavam
do mais profundo da alma daquele homem.
– E, mesmo pregado na cruz – os olhos do homem se voltaram para
as árvores que se erguiam acima de nós –, seu amor continuou se derramando
sobre todos, sem distinção. Ao se aproximar da morte, depois
de um grito em que expressava seu sentimento de abandono, ele entregou
sua vida ao Pai, para nos resgatar de nossos pecados. Não houve
momento mais belo em toda a história da humanidade. Seu flagelo se
tornou o instrumento para que sua vida fosse compartilhada conosco.
Não era um louco. Era o Filho do Deus amoroso que ele ma nifestou
durante toda a sua vida e até o último suspiro.
Quanto mais o homem falava, mais eu me deixava impressionar. Ele
discorria com a intimidade de alguém que tivesse convivido muito de
perto com Jesus. Lembro que na hora pensei assim: Este homem é exatamente
como eu descreveria o apóstolo João.
No momento em que esse pensamento me passou pela cabeça, o
homem se deteve no meio da frase. Virando-se para a direita, seus olhos
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pareceram procurar alguma coisa na multidão e subitamente se cra -
varam nos meus. Os pêlos da minha nuca se eriçaram, e calafrios percorreram
meu corpo. Ele sustentou meu olhar por um instante. Depois,
um breve mas claro sorriso abriu seus lábios enquanto ele piscava e
acenava com a cabeça para mim.
Pelo menos é assim que eu me lembro agora do que aconteceu.
Fiquei chocado na hora. Será que ele lê meus pensamentos? Mas que
tolice! Como é que ele poderia ser um apóstolo de 2 mil anos de idade? Isso
é simplesmente impossível.
Ninguém ao meu redor pareceu perceber sua piscadela e seu sorriso.
Eu estava atônito, era como se tivesse levado uma bolada na cabeça.
Uma corrente elétrica percorreu meu corpo enquanto minha
mente se enchia de interrogações. Eu tinha que saber mais a respeito
desse estranho.
A multidão aumentava à medida que mais e mais pessoas se aproximavam
tentando ver o que se passava ali. O estranho pareceu ficar in -
comodado com o espetáculo em que aquilo estava se transformando.
– Se eu fosse vocês – ele disse, sorrindo para aqueles que haviam iniciado
a discussão –, perderia menos tempo falando mal da religião e
investiria mais para descobrir quanto Jesus deseja ser nosso amigo sem
impor qualquer condição. Ele vai cuidar de vocês e, se deixarem, se
tornará, de longe, seu maior amigo. Se o conhecerem melhor, vocês o
amarão mais do que a qualquer outra pessoa. Ele lhes dará um propósito,
um sentido de vida, que lhes permitirá superar todo estresse e
sofrimento e que os transformará profundamente. Quando isso acontecer,
vocês saberão o que são verdadeiramente a liberdade e a alegria.
Depois ele se virou e abriu caminho na multidão na direção oposta
àquela em que eu me encontrava. Sem saber como reagir, ninguém se
mexeu ou disse qualquer coisa por um instante.
Tentei vencer a multidão para poder falar pessoalmente com o homem.
Seria possível que ele fosse João, o discípulo querido de Jesus? Se não,
quem era? Como sabia das coisas de que falava com tamanha segurança?
Foi difícil atravessar aquela massa sem perder o homem de vista.
Resolvi chamá-lo de João. Consegui chegar ao outro lado bem a tempo
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de vê-lo dobrar uma esquina. Dirigia-se a uma viela que ligava a área de
comércio a um estacionamento.
Ele se achava apenas uns 15 passos à minha frente quando entrou na
viela. Era um alívio saber que teria pelo menos uma chance de conversar
com ele, já que ninguém mais o seguia. Dobrei a esquina, preparando-
me para lhe pedir que parasse, mas, em vez disso, estaquei de
súbito, olhando a viela.
Estava vazia. Voltei, confuso. Será que ele havia de fato entrado ali?
Olhei em ambas as direções, mas não vi sua blusa verde. Eu tinha a certeza
de que ele viera por ali, mas era impossível ter coberto os 40 metros
da viela nos três segundos que eu levara para alcançá-la.
Meu coração disparou. Receando tê-lo perdido, saí correndo. Não
havia uma porta, nenhuma passagem por onde ele pudesse ter-se enfiado.
Por fim eu me vi no estacionamento olhando em todas as direções.
Nada. Nenhum sinal do estranho.
Confuso, corri de volta pela viela até a rua, rezando o tempo todo
para encontrá-lo. Procurei por toda parte sem sucesso. Ele sumira.
Fiquei no auge da frustração.
Finalmente me sentei num banco, meio desorientado. Massageei
minha testa crispada, tentando formar um pensamento coerente. As
idéias se atropelavam em minha cabeça. Quem era ele e o que lhe acontecera?
Suas palavras haviam me tocado profundamente, e a lembrança
dele piscando para mim ainda me causava arrepios.
Finalmente desisti de encontrá-lo e quis apagar da mente aquela
manhã como um daqueles acontecimentos inexplicáveis na vida.
Não sabia quanto estava enganado.